É hora de pensar sobre aqueles que ficam em seus escritórios e emitem ordens para manter o bloqueio – mesmo ao custo de vidas humanas; aqueles que revezam entre atiçar e extinguir as labaredas de acordo com a necessidade; que preparam as listas de produtos que não podem entrar em Gaza – lápis, remédios, temperos; aqueles que ordenaram o ataque à “Flotilha da Liberdade”; os homens que usam piscinas de sangue como cortinas de fumaça.
Quanto mais se agrava a crise social, mais os banhos de sangue, as provocações e os conflitos se tornam os meios mais fáceis e acessíveis pelos quais as elites tentam nos dominar; ao espalhar fumaça, unem, temporariamente, a maioria da nação; ao incitar contra o inimigo comum, distraem a atenção pública da contínua pilhagem de seus direitos e recursos.
Não há nada como a provocação política para retirar a atenção pública da corrupção dos líderes do governo. Não há nada como a crise na segurança para afastar temporariamente da agenda pública qualquer discussão séria sobre as escandalosas privatizações conduzidas por Netanyahu, Ehud Olmert, [Ehud] Barak (cada qual à sua vez) e seus companheiros, que entregaram a algumas poucas famílias o controle de enormes riquezas, às custas do restante da população. Não há nada como trocas de tiros com o Hamas e o estímulo ao nacionalismo extremista para manter longe do escrutínio público o sempre crescente número de casos de famílias que, tendo vivido por décadas em propriedades públicas, são expulsas de suas casas a fim de abrir caminho para transações imobiliárias suspeitas.
A arte de trocar ameaças com o Hamas ou insultos com manifestantes na Turquia é um meio factível e testado (mas temporário, sempre temporário) para fazer os judeus orientais esquecerem que eles foram – e continuam a ser – vítimas de uma distribuição desigual dos recursos nacionais. Mas ambos, o nacionalismo extremista judeu e o árabe, são meios ainda mais reais e experimentados de impedir a união de judeus e árabes, populações oprimidas exatamente pelos mesmos interesses.
Nada como discorrer sobre abrigos públicos, salas de segurança e exercícios de defesa civil para esconder o fato de que, por conta de cortes de orçamento, mais da metade das crianças apontadas como “crianças ameaçadas” em Israel, aquelas que enfrentam riscos diários em suas famílias desfeitas ou problemáticas, não podem ser aceitas em centros extra-escolares criados para garantir sua segurança e bem-estar por várias horas durante a tarde. Afinal de contas, o que é segurança social quando comparada a “segurança real”?
Naturalmente, o Hamas dança no mesmo compasso – criando conflitos periódicos, até sazonais, que atendem apenas a seus próprios interesses de manutenção do poder político – e assim contribui, a seu modo, para a sobrevivência da elite corrupta israelense. O mesmo pode ser dito de outros atores em nossa região.
Ainda assim, muitos de nós, a maioria das pessoas vivendo neste país, não apenas absorvemos silenciosamente os chocantes resultados de cada série de violências, mas toleramos a contínua erosão de nossos direitos sociais, nossos direitos econômicos, nossos direitos de negociar e lutar pelo que temos, ou o que realmente deveria ser nosso; enquanto eles, os poucos afortunados, aqueles ligados ao poder, continuam a arrancar cada vez mais das mãos de nossos dois povos, israelenses e palestinos.
Trad. Camila Costa